segunda-feira, 30 de janeiro de 2012

Trilho do Glaciar e do Alto Vez | Fotos

O pequeno lugar de Porta Cova é a entrada do Trilho do Glaciar e do Alto Vez. Deixamos as viaturas num largo estreito no início da aldeia, na sombra de um maciço montanhoso que escuda o povoado, protegendo as gentes e o gado do frio glaciar que congela a água e as pedras, que o Sol de Inverno não consegue derreter.

Atravessamos a aldeia por caminhos lajeados, escutando o som da água e os badalos do gado, com a parede montanhosa de um lado, e os prados verdes de Sistelo do outro. Nas gentes que encontramos habitavam sorrisos francos, e rasgos de um passado rural que se perpetua no murmúrio do vento sobre os espigueiros, e nos fardos de palha velha que pontuam os socalcos.

Subimos a montanha por um antigo caminho ladeado por árvores mergulhadas num profundo sono invernal, que imprimem à paisagem um certo dourado etéreo, difícil de explicar, fruto da paleta de cores de um dia azul e frio, quente em tonalidades. O verde forte dos musgos contrastando com o cinzento intenso da pedra, os castanhos torrados dos ramos despidos, contrastando com montes graníticos esboroados, cortados por pequenos cursos de água parcialmente gelados, acompanharam-nos até às brandas superiores do Alto Vez.

Das altas cotas do antigo glaciar, surgiu um panorama impressionante de pedra, projectando um colossal anfiteatro natural, que conduz dos montes mais elevados até às minas mais secretas, nas entranhas da Serra, o liquido precioso do rio Vez, que por vezes se avista ao longe em pontos mais borbulhentos, rodeado por choupos, recordando que o Gerês é feito de água cristalina, que corre na seiva das plantas, e na corrente sanguínea dos mamíferos que se escondem nas sombras dos carvalhais e nos matos que ladeiam os trilhos.

Na chegada à parte mais oriental do percurso, as eólicas ganharam protagonismo no recorte da montanha. Depois de umas escorregadelas nos perfis gelados da água de pequenos ribeiros que inundavam o caminho, encontramos a Branda do Furado, pequeno abrigo temporário de Verão, cuja origem está relacionada com a transumância, prática típica do Gerês, caracterizada pela deslocação das populações das suas habitações de Inverno para as zonas mais altas da Serra, onde abundam pastos férteis para alimentar o gado. Aqui apenas encontramos fornos comunitários apagados, e carros de bois cuidadosamente acondicionados em telheiros iluminados pelo sol da tarde.

Subimos até ao alto do monte que vigia a Branda, e seguimos para ocidente, com a Peneda a uns dois quilómetros de distância em linha recta, oculta pela crista de pequenos montes agigantados pela perspectiva do vale glaciar à direita.

Numa descida moderada até Porta Cova, encontramos mais brandas - a Branda da Lapinheira e a Branda de Castribó -, uma das quais habitada por um simpático grupo de vacas borrosãs, que nos saudaram com o seu agradável sorriso bovino, repleto de serenidade e suave contemplação.

Os prados sucederam-se, os caminhos estreitaram, e, rodeados por carvalhos retorcidos pela idade, nas ruinas de uma aldeia adormecida no profundo sono dos musgos, os últimos raios de sol chegaram à terra depois de uma viagem de 150 milhões quilómetros, para colorir as derradeiras pulsações do desenlace de um percurso grandioso, repleto de essência, onde neste preciso instante decorre a mais profunda e perene transformação, donde brotará a próxima estação.

3 comentários:

Ana Fernandes disse...

Olá
Venho manifestar a minha opinião sobre esta belíssima descrição da caminhada. Não pude deixar de a ler em voz alta lá em casa, para os amantes da natureza, saudosos dos costumes rurais ancestrais e apreciadores de uma escrita pautada pela sensibilidade. Ao ler, conseguia voltar mentalmente ao local e visualizar toda a experiência novamente. Parabéns por este dom... de incutir a mestria da poesia numa narração. Ana

Evasão Verde disse...

Olá Ana,

Obrigado pelas tuas palavras: motivam a que se continue a proceder ao registo das n/ Evasões, neste diário de bordo em formato on-line.

Foi um prazer poder contar com a tua presença na última caminhada. Espero que apareças mais vezes, e que deixes o registo das tuas impressões neste espaço que também é teu.

Um Abraço,
PF

Ana Fernandes disse...

Então considero que o meu objectivo foi atingido: motivar a continuação de presentear os outros com as palavras!
Também espero voltar a participar em próximas caminhadas - o prazer foi meu. Hajam trilhos e paisagens para nos deliciar!:) Ana