As previsões meteorológicas não eram as mais favoráveis, os
percalços no caminho eram espectáveis, mas a aventura era garantida e estava
prestes a começar… com a consciência da valentia dos marinheiros de há cinco
séculos atrás, rumámos às terras de Vera Cruz.
Ao contrário dos nossos corajosos antepassados que seguiram
em naus e caravelas até Porto Seguro, onde indígenas receberam Pedro Álvares
Cabral com curiosidade, nós aterrámos no Aeroporto de Guarulhos, na Região
Metropolitana de S. Paulo, cujos 19 milhões de habitantes de diversas
nacionalidades receberam-nos com… relativa indiferença.
Depois de um “café da manhã”, com suco de uva, papaia, mamão
e muito pão de queijo morno, seguimos num tour pedonal urbano e cultural
começando na avenida mais mítica de S. Paulo. Na Av. Paulista marcou-nos a
diversidade arquitectónica, em formas, cores e materiais, como que numa
competição pela sua imagem, a sua demarcação no território, como espécies
botânicas de uma densa floresta de betão, aço e vidro, que competem pelo seu
raio de atenção e protagonismo. Aqui, executivos misturam-se com jovens
estudantes, senhoras nas suas compras quotidianas e “faxineiras” que, seguindo
no seu passo assertivo, respirando a responsabilidade do trabalho e dos
negócios, cruzam pedintes encardidos, sentados junto às fachadas.
Descendo a avenida parámos no MASP – Museu de Arte de S.
Paulo, com obras contemporâneas de autores brasileiros, e também do barroco e
do romântico, com grande predominância dos mestres italianos, claramente…
Seguimos para a Av. Vergueiro e Av. da Liberdade até à Catedral
da Sé, um edifício do sec. XX mas com um estilo noegótico, inspirado nas grandes catedrais medievais
europeias. O seu interior, tranquilo, solene e silencioso, contrastante
com o bulício e agitação da cidade, permitia que diversas pessoas, de
diferentes idades e condições sociais, ali parassem para a sua oração. Lá fora,
na Praça da Sé, ladeada de altas palmeiras, pessoas seguiam firmes na sua
passada rotineira, mas a maioria eram vagueantes, sem abrigo, que com o seu
olhar perdido na vida, observavam a cidade a correr. Estão sentados nos degraus
da escadaria, estão nos muretes da praça à sombra da vegetação. Homens sem
trabalho, sujos, agrupam-se, uns para discutir qualquer assunto, outros a praguejar,
outros assistem de forma interessada o discurso de um exaltado pastor de fé.
Seguimos em direcção ao Theatro Municipal, um elegante
edifício do início do séc. XX, de estilo
arquitetónico inspirado na Ópera de Paris. Neste trajecto pela “baixa” da cidade, os passeios estavam
apinhados de pessoas que corriam em todas as direções, formando uma cidade
viva, agitada, acelerada. Na zona do Theatro e do Viaduto do Chá, eram homens e
mulheres que abordavam o transeunte para venda de jóias, de marroquinaria,
prolifera o mercado paralelo e é possível assistir a vendedores ambulantes,
vindos de algures, a correr desenfreadamente fugindo da polícia.
Deixando este cenário, seguimos em direcção a um completamente
oposto – tranquilo, mais natural e mais enriquecedor - o Parque da Luz e a
Pinacoteca do Estado que lhe fica adjacente. A Pinacoteca – Museu/Escola de Arte foi uma agradável
surpresa - O edifício, o ambiente tranquilo e a qualidade da exposição. Obras
alusivas ao tempo colonial, referências a um Brasil recém explorado,
transportou-nos cinco séculos no passado, com toda a realidade sentida à
época…fosse boa e construtiva, fosse lamentosa.
No dia seguinte, seguimos em direção ao Parque da
Independência, junto ao Riacho de Ipiranga, onde D. Pedro IV de Portugal,
tornava o Brasil independente. Com essa referência histórica como partida,
fomos visitar as cidades costeiras de Santos, S. Vicente e a Ilha de Guarajá
onde os navegadores portugueses chegaram a este Estado. Estas cidades têm um
significado histórico muito forte, uma vez que colónia do Brasil foi
oficialmente estabelecida em São Vicente (hoje Santos) em 1532 pelos
portugueses, e a praia onde desembarcaram conserva-se naturalizada e ainda
resiste o padrão dos descobrimentos às águas agitadas do atlântico.
O percurso pelas rodovias que nos levaram até Santos –
Anchieta e Imigrantes - é dominado pelos camiões de carga que estabelecem o
circuito entre as indústrias da metrópole e o porto de Santos, o maior do
Brasil e o mais movimentado da América latina. Porém, estas rodovias são rodeadas pela densa floresta
selvagem da costa Atlântica, onde ainda vivem pumas e onças pintadas. A beleza
da designada Mata Atlântica é deslumbrante, com montanhas luxuriantes, cascatas
e flora diversificada, dando abrigo a diferentes espécies de animais, aves e
borboletas de cores magníficas.
Ao final do dia quisemos ser surpreendidos pelo manto de
luzes, cintilantes e perpétuas no manto escuro da noite, que enaltece a beleza
do trabalho e do engenho do homem, quer na criação de uma metrópole como S.
Paulo, quer na construção de um arranha-céus, em cujo topo, no 45º andar, se
deleita um restaurante concerto - a Torre Itália.
No dia seguinte, seguimos para S. José dos Campos onde
permanecemos dois dias – o encontro com famílias, amigos, gentes nascidas no
Brasil há duas, três gerações, outras que foram trazidas em tenra idade. Ouviram-se
histórias de trabalho, de luta, de uma vida de emigração bem sucedida, entre
sorrisos, abraços e fotografias.
Ao quinto dia da nossa estada no Brasil quisemos conhecer um
dos picos mais elevados do país – O Pico do Itapeva, com 2030m de altitude, é
dos poucos pontos altos acessíveis por rodovia e está a um par de horas de S.
José dos Campos. Aproveitámos para conhecer a “Suiça Brasileira”- Campos de
Jordão e o seu belíssimo Horto Florestal onde pudemos efetuar “trilhas”,
contemplar cachoeiras e uma diferente massa vegetal – predominante no pinheiro e
nas araucárias – entre outras espécies que completaram um floresta mista em
tons de Outono, que em Portugal tão bem conhecemos (os castanhos, os amarelos
dourados, os vermelhos) e que não esperávamos encontrar num país tropical.
No dia seguinte, tínhamos que regressar a S. José dos Campos
pois havia um avião para o Rio de Janeiro para apanhar e o culminar desta
pequena viagem, numa avioneta de duas hélices, não podia deixar de ser contada…
A abordagem aérea ao Rio de Janeiro foi ao cair da noite.
Num céu a escurecer mas onde os tons rosa-poente ainda sobreviviam, lá em baixo,
as luzes da cidade assinalavam os seus contornos, as suas artérias e os seus
pontos vitais. A longa ponte de Niteroi, toda pontilhada de amarelo, deixava
prever um regresso a casa demorado, as principais artérias estavam bem vincadas
pelas luzes dos congestionamentos e, de repente, uma estrutura ovalado, em tons
néon azuis, roxos, lilazes, marcava a presença do grandioso estádio do
Maracanã. Pequenas e trémulas luzinhas espalhavam-se pelas encostas dos morros,
as avenidas do litoral Copacana, Ipanema e Botafogo, representavam compridas
linhas concavas azuladas, num limite que o oceano impõe. E algures no alto, bem
firme, bem brilhante, salientando-se no escuro que o cercava – o Cristo
Redentor. E com este panorama, aterrávamos na Baía de Guanabara…
Quente, vibrante, com edifícios deslumbrantes no seu toque
colonial, carregados de história, contrastantes com a vida moderna de um Brasil
independente e próspero, os seus jardins de palmeiras tropicais, o pavimento em
calçada portuguesa, rica, nobre e luminosa, abençoada pelo Cristo erguido do
alto, que a acolhe nos seus braços fraternos – Esta é a cidade maravilhosa.
No dia que amanheceu solarengo e com um calor ameno, fizemos
um tour ao Pão de Açúcar, à Praia Vermelha na Baía de Guanabara, ao Corcovado e
Cristo Redentor, passando pelo Parque Nacional da Mata da Tijuca, com regresso
por uma favela. Observámos de perto o Estádio do Maracanã e a passarella do
Sambódromo de Oscar Nimayer. No final fomos deslumbrados pela Catedral
Metropolitana. O aspecto cónico, linear e cinzento do betão exterior, não
deixava adivinhar a obscuridade do silêncio, da reflexão, da elevação que o
interior da forma afunilada imprimia. E suspenso, um único elemento iluminado –
Cristo na Cruz.
Quando a noite caiu, quisemos ser guiados pela música
popular brasileira. Ao vivo, deambulámos pela bossa-nova, pelo samba, choro e forró,
e provámos os petiscos gastronómicos do Rio Scenarium. No coração do bairro
boémio da Lapa, deixámo-nos seduzir pelas antiguidades deste casarão,
transportados ao país colonial, com os seus artefactos, objectos de relicário e
dos diferentes tipos de comércio, estatuetas das belas negras e trajes da
época, permitindo-nos entrar em diferentes cenários da vida quotidiana dos
últimos séculos.
No dia seguinte enveredámos por uma caminhada pela costa –
um táxi deixou-nos no extremo do bairro nobre do Leblon, no sopé do Morro Dois
Irmãos e fomos calcorreando a calçada portuguesa junto à praia, saboreando o
ameno calor de Outono até inflectirmos para o interior, pelo jardim Alah (Alá),
o parque que divide os bairros de Leblon e de Ipanema, até encontrar a Lagoa
Rodrigo de Freitas. A visão desta lagoa interior, tranquila, que reflecte os
morros e as torres que a rodeiam, estabeleceu um contraste instantâneo com a
paisagem marítima, transformando a cidade num burgo continental. Depois de
saboreada a tranquilidade da lagoa e dos nobres bairros de edifícios cuidados,
atraentes, voltamos ao sabor marítimo, cruzando o bairro de Ipanema, o Arpoador
e o Forte de Copacabana, até estendermos a nossa visão por esta longa e
belíssima praia.
Como já levávamos cerca de dez quilómetros nos pés,
decidimos apanhar um táxi para “saltar” Botafogo, Flamengo, e continuarmos a
nossa trilha urbana a partir do centro. Aí permitimo-nos uma viagem no tempo,
de um Brasil pós-colonial e Imperial, de fortes influências portuguesas e
saboreamos as iguarias da Confeitaria Colombo, passeámos pela Praça Floriano,
com os imponentes edifícios do Teatro Municipal, do Museu Nacional de Belas
Artes e do palácio Pedro Ernesto. A noite já tinha caído, as luzes sublimavam
os imponentes edifícios e era noite de estreia do bailado “O Quebra Nozes”. A
baixa não podia estar mais mágica.
Mas havia que deitar cedo. Amanhã esperava-nos uma ilha… Considerado um paraíso ecológico tropical, a segunda
Maravilha do Rio de Janeiro, com mais de 100 praias de areia branca fina e águas
verde-azuladas, a Ilha Grande, é exuberante pela mata atlântica, oferecendo
trilhas aventurosas, com cachoeiras, um elevado grau de humidade atmosférica,
onde os animais selvagens, pacíficos, como macacos bugios, Saguis, tatus,
cobras e lagartos andam à solta. Este é o cenário dominante: o verde tropical
contrasta com o azul-turquesa da água…
Na Vila de Abraão, as ruas são maioritariamente em areia e a
eletricidade pode falhar. Para a nossa pousada, construída sobre estacas de
madeira entre formações rochosas naturais, o acesso era exclusivamente pela
praia… nesta, umas trémulas velas e archotes marcam um bar e um restaurante na
areia, onde o marisco e o peixe são soberbos…
Nos dias que aqui passámos, fizemos a trilha do Aqueduto –
que nos permitiu refrescar na Cachoeira da Feiticeira e escutar em silêncio os
sons da floresta tropical – aves exóticas como o pica-pau, tiés, sabiás e saracuras
que não conseguíamos ver dada a densa vegetação, misturavam-se com o som
intenso da água.
O percurso que optámos por fazer entre a Vila Abraão e a
famosa praia de Lopes Mendes exigiu quase cinco horas de concentração
permanente. Sob os gritos fortes do bugio, o maior primata da ilha, e o olhar
nervoso dos saguis, tentámos manter a passada firme e não escorregar nas
trilhas de textura argilosa que mais parecia barro pronto a moldar sob os
nossos pés, entrecortado pelas raízes da densa vegetação que nos cercava e que
não permitia a penetração de um único raio de sol.
Atravessámos ainda duas praias belíssimas – Palmas e Pouso - de um areal fino, mas mais curto, com as palmeiras quase a atingir a água cristalina… e algures dentro da vegetação, com a porta direcionada eternamente para o mar, uma pequena capela, branca, de contornos azuis. A gambiarra colorida, brilhava ao sol com a agitação do vento, fazendo-nos recordar que o povo brasileiro, na sua simplicidade, na sua estreita comunhão com a magnânima natureza… por mais remoto que esteja… é um povo de alegria.
Atravessámos ainda duas praias belíssimas – Palmas e Pouso - de um areal fino, mas mais curto, com as palmeiras quase a atingir a água cristalina… e algures dentro da vegetação, com a porta direcionada eternamente para o mar, uma pequena capela, branca, de contornos azuis. A gambiarra colorida, brilhava ao sol com a agitação do vento, fazendo-nos recordar que o povo brasileiro, na sua simplicidade, na sua estreita comunhão com a magnânima natureza… por mais remoto que esteja… é um povo de alegria.
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