O Outono empresta à terra uma certa intimidade única e peculiar. Depois de percorrermos a Rota dos Caleiros, abandonamos o Caramulinho e seguimos para o Parque Jerónimo Lacerda, ponto de partida para a Rota da Cruzes.
A meio da tarde, com o sol numa rota rápida rumo ao horizonte alto das montanhas que nos rodeavam, iniciamos o nosso trilho pela calçada que atravessa parte do parque e que nos conduziu aos primeiros caminhos florestais, em direcção a Guardão, localidade que dá o nome à freguesia. Seguindo pela Calçada Romana, com as cores quentes de final de tarde de um Outono luminoso, descobrimos lugares mágicos, repletos cogumelos, musgos e arvores antigas espreguiçando-se sobre os carreiros e riachos que cruzem um Caramulo diferente daquele que havíamos conhecido de manhã.
Pela calçada milenar, parte de uma das sete vias principais que saíam de Viseu e permitiam o acesso ao litoral, e ao Caminho dos Cruzeiros, chegamos à estrada principal que dá acesso a Janardo. Nesta povoação à qual já assentou a honra de ser cabeça do velho concelho do Guardão, onde ainda existem os edifícios onde se procedia a todos actos municipais, destacam-se a Casa da Câmara e o Tribunal, ambos edifícios em pedra talhada, hoje pertencentes a particulares, construídos no ano de 1735.
É tempo de enveredar pelos caminhos agrícolas e poucos metros à frente começaram a surgir os primeiros sinais de uma das celebrações religiosas mais importantes da zona - a Festa das Cruzes. Os pilares com a inscrição do nome das freguesias envolvidas na celebração vão-se sucedendo ao longo do caminho pela ordem da sua chegada na quinta-feira da ascensão de cada ano, até chegarmos à Capela de S. Bartolomeu.
Nas proximidades encontra-se um cruzeiro, num ponto magnífico de observação do Vale de Besteiros simbolizando a protecção divina que teria sido concedida à população do Guardão. É junto a este cruzeiro que no dia da Festa das Cruzes os fiéis formando uma procissão com as cruzes, fazem as suas orações. Neste local situa-se também um castro, onde foram encontradas moedas de ouro e peças de cerâmica, aqui deixados por antigas civilizações que aqui se instalaram.
Para continuar o percurso, há que retomar o caminho junto aos pilares graníticos.
Adiante atravessamos a Ribeira do Xudruro sobre uma ponte de origem românica, e subimos a encosta, sempre com o cenário de uma incrível beleza natural, até chegar à capela de Santa Luzia, no Carvalhinho. No Largo do Lameirão, abandonamos a aldeia e voltamos aos trilhos da Serra em direcção a Cadraço.
Continuando o percurso deparamo-nos com uma sucessão de paisagens, desde a pastagem onde o gado livremente se alimenta em parcelas delimitadas por muretes de granito pacientemente construídas em tempos idos, logo ao lado de grandes extensões de vegetação rasteira típica de altitude, até uma extensão considerável de carvalhal em que marcam presença o carvalho negral e o carvalho alvarinho, após a qual nos deparamos com zonas agrícolas, já à chegada a Ceidão.
Ainda por caminhos florestais passamos por Pinhal Novo já ao anoitecer, regressando à vila do Caramulo no limiar da escuridão. Esta vila situa-se na vertente oriental da Serra e é ainda hoje associada, através das imponentes construções dos antigos sanatórios, ao que foi a partir de 1920 a maior estância Sanatorial do país, que chegou a permitir o internamento simultâneo de 2500 doentes.
Chegando ao Museu do Caramulo, aproximamo-nos do final desta caminhada, atravessando novamente o Parque Jerónimo Lacerda, agora de noite, rodeados por uma diversidade de perfumes secretos, sabendo que em tempos serviu de barreira ao contágio das populações vizinhas por aqueles que tendo problemas pulmonares, vinham em busca do clima privilegiado, da calma e ar puro.
E para retemperar forças para a viagem final de regresso a casa, nada como um bom petisco no Restaurante "a Montanha", onde os anfitriões nos receberam com hospitalidade e histórias de uma terra que ficou longe de ser descoberta, aguardando com o seu encantamento secreto por uma nova visita.
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